“O Gabriel ainda não sabe ver horas, mas eu coloco o timer no próprio iPad, e ele sabe que, quando o alarme toca, deve parar” - CAROLINE DOHER MAGNANELLI, mãe de Gabriel, de 4 anos.
O
executivo Márcio Roldão, de São Paulo, passou, recentemente, pela
segunda grande virada tecnológica em sua vida. A primeira foi há 15
anos, quando adquiriu um laptop – um artigo caro e chamativo na ocasião,
mas essencial para seu trabalho de consultor. Ele visitava cinco
capitais brasileiras por semana. O computador portátil, com tela de 10
polegadas, pesava 3 quilos e tinha pouca memória, além de nenhuma
conexão de internet. Ainda assim, era o escritório que cabia dentro de
uma pasta. “Eu não esqueço como facilitou a minha vida naquele tempo”,
afirma. Isso mudou no final do ano passado. Na véspera de uma ida ao Rio
de Janeiro, para atender um cliente de sua consultoria empresarial
Avention, Roldão trocou de companheiro de viagem. Ao preparar a mala,
deixou pela primeira vez o notebook de fora. Seu lugar foi ocupado – com
folga – pelo iPad. Roldão diz que foi uma decisão natural. “Eu tinha
tudo de que precisava no tablet: os programas de escritório,
principalmente o de apresentação de slides”, diz. “Também já achava o
teclado virtual bom o bastante para meu uso.” Enquanto esperava seu voo
no aeroporto de Congonhas e folheava uma revista digital no tablet,
Roldão não sabia que embarcava em uma viagem mais longa que os 430
quilômetros de São Paulo ao Rio de Janeiro. Ele estava decolando rumo à
era pós-PC.
A chegada do iPad mudou o jeito de lidar com a
máquina. Criou uma nova categoria de produto tecnológico: os tablets.
Em vez de se firmar em nichos específicos, como o GPS automotivo e os
netbooks que surgiram na década passada, esses computadores sem teclado e
com uma tela sensível ao toque estão sendo apontados como os
substitutos dos computadores pessoais. Olhe para seu desktop ou
notebook. Num futuro próximo, eles podem ser destinados apenas a tarefas
esporádicas e específicas. Seu companheiro eletrônico do dia a dia
caberá na bolsa, na mochila e até no bolso do paletó. É ele que
carregará seus documentos, fotos, vídeos e informações pessoais. Nele,
você fará seus trabalhos da escola, montará apresentações para o
trabalho e, claro, navegará na internet, nas redes sociais e acessará
seus e-mails. Mais ainda: os tablets serão os videogames, as bancas de
jornais e revistas, a biblioteca de livros, as câmeras e filmadoras
digitais (3-D, em alta resolução), os guias de viagem, com mapas
detalhados e sugestões de pontos turísticos. Serão mais baratos e mais
fáceis de usar, atraindo um público que hoje não tem dinheiro ou
simplesmente é avesso à tecnologia dos computadores.
O
início da era pós-PC pode ser datado pelo lançamento do iPad, em
janeiro de 2010, por Steve Jobs, dono da Apple. Muitos chegaram a
menosprezar o produto, apelidando-o de um “iPhonão que não fazia
ligações”. Mas foram só as vendas começarem, no mês de abril daquele
ano, que as expectativas foram revistas. A média de iPads vendidos por
semana nos primeiros dois meses superava as 200 mil unidades, enquanto a
do MacBook era de 110 mil. O sucesso do iPad gerou uma corrida dos
concorrentes para lançar seus próprios tablets. Um ano depois do anúncio
do tablet da Apple, foram apresentados cerca de 80 aparelhos inspirados
no iPad na Mobile World Congress, maior feira de tecnologia móvel do
mundo, em Barcelona, Espanha. Segundo a consultoria Gartner, foram
vendidos 21 milhões de tablets em 2010 (90% deles são iPads). Para este
ano, a previsão é de 65 milhões de tablets. Deles, segundo alguns
analistas, 45 milhões seriam da Apple. Outros modelos entraram na briga:
os sofisticados Samsung Galaxy Tab, o LG Optimus Pad, o Motorola Xoom, o
BlackBerry Playbook, entre outros.
O tablet ganhou
diferentes usos rapidamente e vem substituindo os PCs em empresas e na
vida pessoal. A indústria farmacêutica EMS tinha uma equipe de
propagandistas com o equipamento em mãos já no primeiro dia de vendas do
iPad no Brasil. A decisão de adotar o equipamento na hora de apresentar
os medicamentos do laboratório aos médicos foi tomada em agosto de
2010. “Fizemos um levantamento e estimamos o gasto anual de mais de R$
4,2 milhões apenas com o papel. Eram usadas 50 toneladas com as
propagandas da empresa todos os anos”, afirma Waldir Eschberger Jr.,
vice-presidente de marketing da EMS.
A meta da
farmacêutica é abandonar o impresso em suas campanhas a partir do meio
deste ano. Para isso, gastou R$ 2,5 milhões com a compra de 1.500 iPads,
a adaptação do material e o treinamento da equipe. Os ombros da
representante de vendas Simone Costa agradeceram. “Fez muita diferença.
Antes eu carregava uma pasta com 5 a 8 quilos de papel pelas ruas e
corredores de hospitais para visitar os médicos. Agora é só o aparelho
levinho.” Segundo ela, até o interesse dos clientes é maior. “Como as
apresentações vêm com gráficos animados, eu consigo ficar mais tempo na
sala de cada médico para mostrar nossos produtos.”
“Fica bem mais fácil estudar em qualquer local “ - AFONSO FELIPE CHRISTIANO, estudante
“Tenho tudo de que preciso no tablet para as minhas viagens“ - MÁRCIO ROLDÃO, consultor
Os
tablets também estão sendo usados para a educação. A concentração de
muito conteúdo em um equipamento do tamanho de um único livro levou o
cursinho pré-vestibular Integral Sistema de Ensino, de Campinas,
interior de São Paulo, a adotar os iPads na sala de aula. O tablet é
fornecido para o aluno em regime de comodato, no momento da matrícula.
Durante todo o ano escolar, cada um dos 30 alunos tem um iPad para si,
podendo levá-lo para casa, mas o equipamento ainda pertence ao Integral.
No final do ano, se o aluno estiver em dia com as mensalidades (cerca
de R$ 1.500 mensais), fica com o iPad. “Já usamos tecnologia em todas as
salas de aula desde 1998, com computadores e datashow. O iPad é uma
modernização do processo”, afirma Ricardo Falco, diretor do cursinho.
Para os alunos, a adoção dos iPads tira – literalmente – um peso das
costas. As apostilas foram todas adaptadas para o tablet. “Fica bem mais
fácil estudar em qualquer local”, diz o vestibulando Afonso Felipe
Borgonovi Christiano, de 18 anos. Em junho, ele viajará para o exterior
com a família. Quando soube, procurou o diretor, preocupado com as aulas
que perderá. “Falei para ele que não tem problema, pois levará o
cursinho atualizado na viagem: informações, simulados, dicas dos
professores e os e-mails. Basta ter uma rede Wi-Fi.”
Embora
os tablets sejam a parte mais palpável da era pós-PC, esse novo período
de nossa relação com a tecnologia vai além deles. Trata-se de uma nova
forma de comunicação com as máquinas, baseada em gestos mais naturais.
“A nova geração de computadores surge quando há mudança na maneira de o
homem interagir com a máquina”, diz Horace Dediu, um dos mais
respeitados analistas de tecnologia móvel e autor do blog Asymco.
“Passamos a usar os dedos para enviar e receber informações do
computador.” Outro indicador, segundo Dediu, é o aumento de público,
atraído por uma tecnologia mais acessível em termos de preço e
facilidade de uso. É natural que as máquinas fiquem mais próximas de
nosso dia a dia, pois o conteúdo digital se infiltrou completamente no
mundo moderno. As mudanças – redes sociais, álbuns de fotos, livrarias,
agendas – são tamanhas que até os principais líderes da indústria estão
perdidos (leia a charge abaixo).
Outra forma de
enxergar a chegada de uma nova era é constatar o fim do crescimento da
anterior. A consultoria Gartner reduziu suas projeções das vendas
mundiais de PCs. A perspectiva é que 387,8 milhões de computadores serão
vendidos neste ano, crescimento de 10,5% em relação a 2010. Nos dados
divulgados anteriormente, as projeções eram de acréscimo de 15,9% no
período. O maior declínio é esperado nas vendas de notebooks: previa-se
crescimento de 25,1% em 2011, ele deverá ficar em 14,6%. “Achávamos que
as pessoas comprariam os tablets como o segundo ou terceiro aparelho
mais importante”, diz George Schiffler, diretor de pesquisas do Gartner.
“Vimos que as pessoas os estão usando como uma extensão de seus
computadores pessoais.”
Isso não significa que a chegada
dos tablets extinguirá os PCs. “A idade da pedra não terminou porque nós
paramos de usar pedras”, diz Dediu. Ele compara a transição atual à
mudança dos grandes computadores centrais dos anos 70 para os PCs dos
anos 90. As máquinas criadas na década de 1940 do século passado, que se
popularizaram nas grandes empresas nos anos 60 e 70, eram equipamentos
que ocupavam salas ou andares inteiros. Fabricados principalmente pela
IBM, concentravam as operações e os funcionários (engenheiros)
interagiam com a máquina por terminais, meros monitores com teclado e
alguma capacidade de processamento local. Mas, ainda na década de 70,
começaram a surgir os minicomputadores. Eram mais baratos e simples de
operar. Nos anos 80 e 90, os PCs viraram a principal ferramenta de
trabalho. “Mainframes não deixaram de existir, apenas ficaram restritos a
tarefas mais específicas”, diz Dediu. O tablet é o próximo passo na
história dos últimos 50 anos.
“Não preciso ficar na escrivaninha. Levo até o cabeleireiro“ - ELFRIDA LINDNER, dona de casa
Quem
está liderando esse movimento não são só os tradicionais consumidores
de PCs, mas gente que até então olhava de lado para as máquinas. A dona
de casa Elfrida Lindner, de 57 anos, entrou na era digital ao comprar um
iPad. Antes, tinha medo de usar o computador das filhas e quebrar
alguma coisa. A decisão de comprar um tablet para chamar de seu veio há
três meses, e o modelo da Apple a atraiu pelo design e pelo tamanho
diminuto. “Assim eu posso usá-lo na sala e na cozinha, não preciso ficar
sentada em uma escrivaninha”, afirma Elfrida. “Levo até quando vou ao
cabeleireiro.” Ela ainda toma alguns sustos. “Outro dia abriu uma janela
com um homem dizendo que queria me conhecer. Desliguei correndo o iPad e
telefonei para a minha filha para contar que alguém entrou no
computador. Ela me explicou que era apenas uma propaganda.”
Se
existe um homem por trás dessa revolução, é Steve Jobs. Ironicamente, o
mesmo Jobs que colocou pela primeira vez um mouse num computador foi
quem decidiu matá-lo. O visionário fundador da Apple está diretamente
envolvido com a evolução da tecnologia pessoal nas últimas três décadas.
Ele criou, em 1984, junto com o americano Steve Wozniak, o primeiro
computador verdadeiramente pessoal. O Macintosh estreou um sistema
operacional com um visual mais atraente, com formas gráficas ricas e com
os comandos dados pelo mouse. Foi nele que Bill Gates se inspirou para
desenvolver o Windows.
Em
2007, Jobs criou o iPhone com a primeira tela multitoque. Era uma
evolução de outros aparelhos com tela sensível ao toque, como os Palms,
que dependiam de uma caneta especial para funcionar. O iPhone trouxe
para a ponta dos dedos a função de comandar o aparelho. O embrião do que
se transformaria na era pós-PC teve uma nova fase de desenvolvimento
com a iTunes Store, criada por Jobs em 2008, junto com o lançamento do
iPhone 3G. A loja de aplicativos hoje é um dos grandes trunfos da Apple.
Ela não só traz receita com a venda dos programas, mas garante a
fidelidade dos usuários, que não querem abrir mão de seus aplicativos.
Das mãos de Jobs nasceu em 2010 o iPad, a máquina que tornou mais claro o
fim da era dos PCs.
“Antes eu carregava uma pasta com 5 a 8 quilos o dia todo” - SIMONE COSTA, representante de vendas
A
estratégia de Jobs para inovar tanto é incomum na indústria: ele não
ouve o consumidor. “Nós não fazemos pesquisas de mercado nem ouvimos
consultores”, costuma dizer. Para Jobs, nós não sabemos o que são os
produtos que vamos aprender a adorar. “Você não pode perguntar às
pessoas qual é a próxima grande coisa. Se o Henry Ford tivesse
perguntado aos clientes o que eles queriam, eles responderiam: um cavalo
mais potente. E não um carro”, disse à revista Fortune, em 2008. Essa filosofia vem garantindo à Apple a primazia em produtos revolucionários.
Um
termômetro do potencial revolucionário dos tablets é a receptividade
que a nova geração de usuários – as crianças – demonstra. Para a geração
mais nova, a tela de toque que Jobs criou é tão natural quanto o mouse
que ele botou no computador para a geração anterior. Bem que os pais de
Gabriel Doher Magnanelli tentaram afastá-lo da tecnologia, mas o menino
de 4 anos sempre preferiu os games aos parquinhos. Primeiro descobriu o
iPhone da mãe, Caroline. Com os dedos, manipulava a tela sem
dificuldades, via fotos e mexia nos aplicativos. “Já que o Gabriel
sempre gostou do iPhone, decidi baixar alguns jogos educativos para ele
brincar”, diz. Os preferidos são os de colorir palavras e os que imitam
bonecos de Lego. Quando o pai da criança comprou um iPad, a tentação dos
jogos cresceu de tamanho. “Estabelecemos um limite de tempo para ele
jogar. O Gabriel ainda não sabe ver horas, mas eu coloco o timer no
próprio iPad, e ele sabe que, quando o alarme toca, deve parar”, afirma
Caroline. Com os olhos atentos à tela e os dedos prontos para o toque,
Gabriel usa o iPad com a naturalidade de quem cresce na era pós-PC.
FONTE: Revistaepoca.globo.com
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